A batalha do Maria Antônia

Assistindo as inúmeras retrospectivas que todos os canais fizeram questão de apresentar – importante salientar que até o SBT fez a sua! – revi aquele episódio do dia 16 de outubro no qual a Polícia Militar entrou em conflito com a Polícia Civil.
Isso me fez pesquisar um outro conflito entre classes, mas dessa vez entre estudantes: A Batalha do Maria Antônia

O ano era 1968, o que significa plena ditadura militar. O local era o centro de São Paulo, mais precisamente a rua Maria Antônia. Lá, muito próximos uma da outra, funcionavam a Faculdade  Mackenzie e, logo em frente, a Faculdade de Filosofia da USP.

O conflito teve início as 10 e meia da manhã do dia 2 de outubro, quarta-feira. Do prédio do Mackenzie voou um ovo que  atingiu em cheio alguns estudantes da USP. Estes por sua vez, revidaram com paus e pedras.
Mas não pense, caro leitor, que eram um bando de arruaceiros. Quer dizer… eram, porém, com cunho político – social. Explico:

No Mackenzie formaram-se grupos anticomunistas: Comando de Caça aos Comunistas (CCC), Frente Anticomunista (FAC) e Movimento Anticomunista (MAC). Todos esses – que, aliás, apoiavam a ditadura – tinham como alvo os grupos da USP, socialistas ferrenhos.
Isso ficou bem claro quando faixas com os dizeres  “Filosofia e Mackenzie contra a Ditadura” foram sumariamente arrancadas da fachada da USP. Sabe-se lá por quem.

A guerra impossível de ser impedida ficava cada vez pior. Agora, além dos ovos, paus e pedras, os estudantes usavam também rojões, coquetéis Molotov e até garrafas com ácido sulfúrico. Coisa de universitário…

A polícia foi chamada e acalmou os ânimos. Por pouco tempo. O tempo suficiente para que os dois lados pudessem preparar as estratégias.

No dia seguinte a guerra foi deflagada de uma vez. Artilharia pesadíssima foi utilizada desde as primeiras horas da manhã. Inclua aí rojões com ácido que vinham atingir em cheio as salas da USP, fios elétricos colocados estrategicamente no portão da Mackenzie para eletrificá-lo (brilhante, não?), tiros de ambos os lados.
A polícia tentava intervir, mas em vão. Pipocavam bombas de gás lacrimogênio de ambos os lados. Os fios de alta tensão foram atingidos, fabricando um lindo e trágico espetáculo pirotécnico. Gritos, correria, fumaça, escombros, sangue….

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Porrada!

Como é de praxe, as autoridades brincavam de batata quente. Para o General Sílvio Corrêa de Andrade, chefe do Departamento de Polícia Federal em São Paulo, todas as providências cabiam à polícia do Estado. “O que ocorre na Rua Maria Antônia é desordem, briga, e não manifestação política“.

A certa altura, ambos os prédios tinham focos de incêndio. O patrimônio de ambas as universidades estava sendo sumariamente destruído pelos próprios estudantes.
José Dirceu (aquele mesmo do PT) soltava frases de efeito: “As violências da direita estão sendo respondidas pela violência organizada do povo e dos estudantes“, ou “Vamos esmagar a reação.

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Mª Antônia, QG da USP

Eis que a primeira morte acontece. “A bala é de calibre superior a 38 ou de fuzil. Havia seis ou sete pedaços de chumbo no cérebro. O tiro entrou 1 centímetro acima da orelha direita e saiu à altura da linha mediana da cabeça, atrás, ligeiramente à esquerda. A bala fez um percurso de cima para baixo, em sentido oblíquo” – era o que dizia o resultado da autópsia de José Guimarães, que, curiosamente, não estudava em nenhuma das duas universidades. Era terceranista do Ensino Médio do Colégio Marina Cintra.

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José Guimarães, logo após ser baleado. Morreria horas depois

A notícia da morte caiu como (mais) uma bomba entre os estudantes da USP. Rápidos, mudaram a estratégia e organizaram uma passeata pelas ruas de São Paulo. De quebra ainda queimaram alguns carros pelo caminho. Era o começo do fim da guerra.

Foi convocada uma assembléia na Cidade Universitária e os estudantes da USP rumaram para lá. “Duzentos e quarenta soldados da Força Pública, cem cavalarianos, dois tanques e cinqüenta cães amestrados começaram a chegar na Rua Maria Antônia e vizinhança. O Mackenzie foi ocupado sem problemas, mas alguns estudantes ainda atiravam bombas Molotov contra o velho prédio da USP e pedras caíam sobre os jornalistas que tentavam se aproximar.
Os da Mackenzie aproveitaram para invadir o prédio da Filosofia e terminar o que começaram. Se autodeclararam os vencedores. Tomaram um chopp para comemorar.

Ao todo foram 3.000 estudantes do Mackenzie e 2.500 estudantes da Faculdade de Filosofia da USP em mais de 36 horas de conflito.

A matéria da Veja da época, que serviu de base para esse texto, pode ser lida aqui

Mais fotos da batalha você vê agora: